quarta-feira, março 16, 2011

Considerações Intempestivas Sobre a Dissertação, a Vida, o Universo e Tudo Mais

          Venho pensando sobre o pensamento, sobre o próprio exercício do pensar no contexto da produção acadêmica. Cheguei primeiro à conclusão de que o pensar que considero legítimo está em franca extinção. Isto porque muito do que leio da produção acadêmica atual consiste numa repetição exaustiva do óbvio, na qual muitas vezes me vejo capturada e sem muita perspectiva.
         Creio não poder definir por mim o que é o pensar, embora sem dúvida pense. Mas pensar na qualidade de pesquisadora se apresenta como constante desafio que se impõe na escrita da dissertação. Na obra “A Filosofia na Época Trágica dos Gregos”, Nietzsche propõe que a Filosofia floresceu na Grécia justamente  porque os gregos souberam retomar a lança de onde outro povo a havia abandonado para lançá-la mais longe, ao mesmo tempo em que aquilo que aprendiam, utilizavam para a vida e não para o saber erudito.
            De forma próxima, Newton declarou ter visto mais longe por estar sobre os ombros de gigantes, referindo-se aos cientistas que o haviam antecedido. Pensamos em um contexto de milênios de civilização humana, portanto não nos faltam gigantes, mas talvez nos falte na academia, a coragem necessária para saltar sobre eles e alçar vôo. Talvez porque a própria estrutura acadêmica nos encoraje mais a cultuar nossos gigantes, transformá-los em deuses e permanecer à sua sombra.
            Contudo ainda há espaço para o pensamento, ainda que este espaço seja uma brecha sutil e móvel e por isso mesmo acredito que é dever do pesquisador esgarçar esta brecha até seu limite e se permitir alçar vôo.
            Contudo, neste exercício de pensamento a maior dificuldade está em compor, ao invés de opor, conhecimento e vida. No mestrado, conhecer e viver estão sempre à beira do completo antagonismo, e talvez seja este o maior entrave da minha dissertação.
            Porque aliar o pensamento às exigências da vida talvez seja nosso território proibido, a cisão essencial da escolha acadêmica que tanto prezo. Dar vida ao pensamento em forma de escrita se produz  como verdadeiro desafio. Diante da imagem de um gigante alemão me assombro e reconheço que isto é grande demais para mim e justamente este assombro me impulsiona a tentar escalá-lo, e  quem sabe um dia, chegar sobre seus ombros e reconhecer que finalmente pensei!
            A pré-condição deste trabalho é a coragem, e ela existe muito embora certa vez um amigo tenha me advertido sobre a perigosa proximidade entre a coragem e a insanidade e era preciso portanto não confundi-las. Acontece que a prudência não está entre minhas maiores virtudes e as dificuldades parecem aumentar ainda mais o desejo de tentar.
            Muitos já escreveram sobre Wundt, mas quero usá-los e ao mesmo tempo jogá-los fora, pois todo pensamento que se proponha original tem certo tom de traição. Somente me interessam os autores que eu possa trair e noções que eu possa subverter, pois também acredito na potência da subversão. Não deixa de ser irônico escolher um autor com nada injusta fama de “certinho” para tal intento.
            No fundo meu problema de pesquisa é e sempre será a liberdade, talvez porque a tal “liberdade” seja a idéia humana mais paradoxal que existe. Paradoxal porque é talvez, o sonho humano mais intenso e ao mesmo tempo mais abstrato e inatingível. Não conheço uma definição perfeita de liberdade, mas busco flertar com ela desde sempre.
            No contexto do saber psicológico, liberdade é um palavrão metafísico. Não tive contato com autores que falassem sobre ela sem certo pudor. A melhor definição de liberdade que conheço vem de Spinoza: se opõe à constrangimento e se alia à felicidade, sendo esta, mais um sonho humano abstrato e inapreensível. Mas posso escrever liberdade em palavras wundtianas? A resposta ainda não existe, mas posso pressenti-la.
            No entanto a servidão está na moda. Todos os dias lemos em jornais e revistas de divulgação cientifica sobre diversas pesquisas que apontam sem pudor algum para um severo constrangimento biológico no qual estamos todos inseridos sem escapatória. Nosso DNA comanda como iremos viver, amar e morrer. Qual o espaço da criação? Posso traduzir um sonho em sinapses, em impulsos elétricos? Minha subjetividade é constituída em átomos de carbono?
            As perguntas e respostas pairam no ar sem que possa apreende-las. É preciso combater a servidão com criação. Talvez essa seja a minha única solução disponível.
Eu, esta forma de vida primata em base de carbono desejo a vida, o universo e tudo mais.

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