quinta-feira, maio 22, 2008

Encontro Íntimo

Ela estava em casa, sozinha com seus pensamentos. Resolveu então sair. Arrumou-se com capricho, prestando atenção em cada detalhe. Andando, mal notava os olhares que se dirigiam a ela, pois naquele momento o mundo exterior era absolutamente irrelevante. Foi comprar sua entrada no cinema e escolheu a sessão com o horário mais conveniente porque o filme em si não era importante. Saindo de lá, escolheu um restaurante e pediu mesa para uma pessoa. A garçonete estava levemente incrédula, mas a atendeu prontamente.

Sentou-se e escolheu seu prato favorito: ravioli com molho de tomates frescos. Pediu a carta de vinhos e notou que seu vinho favorito não estava entre as opções. Para ela, o vinho sempre é escolhido de acordo com seu estado de humor e a ocasião: Merlot para momentos de tristeza, açucarados em momentos de descontração, frisantes em comemorações, ‘Sauvignon Blanc’ para horas amenas e seu preferido, ‘Vinho Verde Português’ para momentos íntimos. Escolheu então o Sauvignon Blanc para lhe fazer companhia, acompanhado de água fresca.

Enquanto esperava lia Schopenhauer sob olhares incrédulos de senhoras, crianças e casais. Divertia-se com sua própria “petulância”. A escolha era no mínimo inusitada: Metafísica do Amor. Seu pedido chegou e então pôde saborear o prato, o vinho e o momento. O vinho descia suave como suas lembranças. Eram lembranças do último verão. Era o amor, a perda, a queda, a febre incessante, a paralisia, a dor. Naquele momento mesmo a dor era muito suave. A dor tinha alcançado um estado metafísico: saía de seu ventre e dissolvia-se no ar. Meses e meses dolorosos puderam ser expurgados docemente. Percebeu então que já não havia dor; pôde finalmente perceber a si mesma. Tinha tentado por meses calar-se gritando, alucinando, transformando-se em desespero. Por meses procurou em vão quem a entendesse, até entender que já possuía tudo o que precisava, que estava completa.

Pagou a conta, dirigiu-se ao cinema e contrariando todas as expectativas, o filme era muito divertido. Permitiu-se sorrir como há muito tempo não fazia e suas gargalhadas ecoavam no cinema e em si mesma. Era como se a sala só tivesse um lugar, sendo todo o mundo exterior mera paisagem.

Na saída, ao invés de pedir um táxi, preferiu ir embora caminhando. Queria sentir a noite em sua pele; queria ser acariciada pela lua cheia. As ruas estavam desertas, a brisa estava especialmente suave e ela cantava alegremente sua canção secreta. Havia encontrado o que há tempos procurava: a serenidade de um verdadeiro encontro íntimo.

4 comentários:

Zek disse...

Um encontro consigo mesmo, é bom .... mas quando os muros ao redor de sí mesmo cresce demais esse paraíso pode virar uma fria e escura prisão....
Profundo tua narrativa moça!!

Nih disse...

Mas você há de convir que encontros íntimos são muito importantes às vezes. Servem para afirmar o amor próprio. Um abraço!

Zek disse...

Concordo sim, mas esse amor deve ser o suficiente para ser adicionado e partilhado.
Beijos

Nih disse...

Quando a gente se ama, fica mais fácil e melhor amar alguém, não acha?