sábado, janeiro 27, 2007

Da Facilidade das Ideologias


O prefixo "u" da palavra utopia indica uma negação, porém não a mesma simples negação do prefixo "a". O prefixo "u" pode significar também "outro". Sendo topia uma derivação de "topos" que quer dizer lugar, utopia é um outro lugar.

O que é ideologia?

Tratando etimologicamente da questão, ideologia é um discurso sobre as idéias. De modo mais prático e trivial podemos igualar ideologia e doutrina. Doutrinas baseiam-se em idéias e estas são arbitrárias. arbitrárias simplesmente porque não existem critérios segundo os quais poderíamos afirmar com segurança qual ou quais ideologias são verdadeiras ou falsas.
Desta forma, marxismo, liberalismo, cristianismo, islamismo, dentre outras doutrinas, são igualmente ideologias. E a história nos mostra o quanto as ideologias são assassinas por excelência.

O que existe de comum a todas as ideologias é a crença inequívoca de que sabemos o que é melhor para os outros. Sartre formulou que o "homem está condenado a ser livre", e mais do que isso , está condenado a inventar o homem. Longe de discordar de Sartre, chamo a atenção para nosso grande ardil enquanto seres humanos.

Este ardil denomino como "a facilidade das ideologias". Sustento que tal facilidade não é apenas um artifício, mas aquilo que cimenta de forma tão profunda nossos próprios pés na lama.
Quando utilizo o termo facilidade, me refiro a algo bastante específico, posto que desde que existe cultura, existem ideologias e as ideologias são fortes prisões das quais devemos nos libertar. E não importa se o que nos conforta é a crença de que Jesus nos levará ao paraíso ou de que o capitalismo tombará frente as suas contradições.

Mais do que devoção a uma idéia, criamos ídolos, deuses e não interessa aqui se falamos do Deus Jeová, Alá, Marx , Henry Ford ou mesmo a própria Ciência. Nos agarramos a deuses que nós próprios criamos e assim amamos devotamente nossas prisões. Estar preso a uma doutrina é fortalecer nossos grilhões e mais do que isso, castrar toda e qualquer possibilidade de revolucionar.

Revoluções são plenas quando existem rupturas e nossa história é rica em revoluções e pobre em soluções. O que fazer sobre os escombros? Reconstruir ou Reestruturar? O que buscamos quando revolucionamos? Liberdade e justiça? Mas como pode haver liberdade se estamos tão presos a ídolos? Como pode haver justiça, quando as pessoas comuns sequer são perguntadas se querem uma revolução? Justiça para quem, afinal? A quem servem as ideologias?

As ideologias são a cocaína e o LSD do mundo ocidental.

Diante de verdadeiras rupturas ficamos acuados porque a existência prescinde de sentido, porém o ser longe do sentido fenece, posto que ser livre é mais do que um fardo, é uma sentença de morte.

Se algo nos indica que não somos mais especiais do que amebas ou bactérias, entram as ideologias salvadoras para nos conferir novamente o sentido, porque o sem-sentido é o caos e o caos se encontra no limite do insuportável.

A existência precede o sentido e longe do sentido as ideologias se esvaziam. O que criar a partir do cadáver da ideologia? Como suportar a putrefação? O que fazer com as revoluções?

Sou utópica porque desejo outro lugar e prefiro acreditar apenas nos homens a acreditar num deus que matou seu próprio filho ou no deus da luta de classes.

Se queres um deus, olhe-se no espelho.
Se queres um demônio, olhe-se no espelho.

A única revolução possível se dá não sobre os cadáveres dos homens, mas sobre os cadáveres dos nossos deuses.

E sobre eles construiremos um outro lugar, se assim desejarmos.


DUBITO ERGO SUM

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